Guaratuba, 22 de setembro de 1968.

“Era um domingo que assinalava a entrada da primavera, com apreciável movimento de turistas. Sem o sol escaldante para toldar a cútis dos mais expostos, mas também sem chuva que pudesse perturbar o sossego dos que naquele dia procuravam a praia para o seu recreio.

Em casa tudo corria normalmente e, sendo mais de 22 horas, procuramos o leito. Minha netinha, Ana Maria, já dormia. Cerca de 15 minutos depois, fomos despertados por brados de populares que advertiam sabre algo, com imprevisíveis conseqüências. Frases como esta, eram ouvidas:

– Saiam de casa depressa, desliguem a luz! Que coisa horrível!

Levantei-me, troquei apressadamente as vestes e fui até o porto para certificar-me do que ocorria, enquanto meus familiares também se movimentavam.

Ai um cidadão me informou que o muro de arrimo havia se abatido para as profundezas, a metade da rua também já seguira o mesmo destino do muro e prosseguia a avalanche envolvendo árvores, e o poste da luz! Voltei imediatamente, com a certeza de que uma terrível catástrofe atingiria de imediato as nossas residências. Calcei os sapatos, pus O chapéu e saímos às pressas, temendo que os fios da luz fossem ao chão ao cair do poste que as águas já estavam alcançando na rua do porto.  Fechei a porta da rua, mal sabendo que a fechava pela ultima vez, depois de 46 anos de residência na casa que pertenceu ao Major Fernando Antônio de Miranda em 1856. Passei a residir nela desde maio de 1922 e, em 1945, por falecimento de minha genitora, tornei-me proprietário desse imóvel até esse dia em que a fechei pela ultima vez. Como dizíamos depois de fechada a porta, saímos, sem saber para onde. Dirigimo-nos a Praça, lugar recomendado por não conter fios de alta tensão. Aí, de certa forma parecia um dia de festa em que se nota o grande numero de populares, não fosse a expectativa que a todos dominava. Com os semblantes angustiantes a verem diante de si a casa que abriga a excelsa padroeira Nossa Senhora do Bom Sucesso – a Igreja Matriz – com acento nesse local desde 1768, exatamente a dois centenários de seu início. Aí deparei-me com mais um episódio compungente, Minha filha, de joelhos na Praça, voltada para a Igreja sobraçando um quadro de Jesus, fazia preces e sua filhinha a frente, a contempla-la desolada, sem saber o porque de tamanha angustia.

Da Fraga todos fomos tomando condução em direção a Garuva, numa romaria, ate a casa do Bem/Bem, onde passamos o resto da noite recebendo notícias da ocorrência, como se ali estivesse o comando de uma operação. A partir das 3:30 horas as notas já eram tranquilizadoras; amainara-se a refrega arrasadora, autora de todo aquele drama. Mas nessa altura, a casa de residência e mais duas, do autor da História de Guaratuba, já haviam submergido, pela fúria inclemente do fenômeno. E com ela tudo, inclusive uma farta documentação histórica, comoo estudo genealógico das principais famílias Guaratubanas desde o “Povoador” Capitão Miguel de Miranda Coutinho até a atual geração donde se concluía a nossa corrente consangüínea ligada aquele Capitão-mor.

O Prefeito Municipal, Sr. Orlando Bevervanso, assistiu desolado, à sombra do Edifício São Luís, o desabamento deste, sem nada poder fazer senão lamentar a situação a que estava reduzido o histórico monumento concluído em 1950, que arquivava no seu interior todo o documentário da Administração Municipal.

No dia seguinte, a rua Cel. Afonso Botelho estava com uma estranha aparência, em lugar dos prédios, uma enseada dominava toda a parte afundada, era uma área de 100 X 30 metros na direção do centro da cidade. Na estrema esquerda, duas paredes danificadas, em angulo reto, e o que restava da Prefeitura Municipal, e na estrema direita, apresentando idênticas condições, a sede da Sociedade Ypiranga, submergido, ao ponto do Ferry-Boat navegar onde eram suas sedes. O Bar Azulai, uma loja de ferragens, a câmara municipal, com todo o seu arquivo, a agencia de Estatísticas e do Serviço Eleitoral que funcionavam no mesmo prédio, o Bar Marabá, a loja e a padaria de Floriano Milek, de três pavimentos, o sobrado do Dr. James W. Laury, com três lojas, a casa de Joaquim Mafra e de José Marques da Silveira.

Os demais prédios, que completavam as três quadras, ficaram condenados, atingidos na fundação, ruindo em conseqüência disso às paredes que restaram em pé.

Estudo técnico do fenômeno

O que houve, é fato comprovado por técnicos. O fenômeno teve origem nas correntes marítimas que, nas vazantes, castigavam impetuosamente a área entre o trapiche, o muro de arrimo e a ponta do Morro do Pinto.

Não se esperava um acontecimento com esta dimensão, mas algo poderia acontecer, ao longo do tempo, face ao trabalho contínuo das correntes e refluxos das vazantes e enchentes, um fenômeno natural das marés.

Os melhoramentos, as obras que devem ser executadas para segurança coletiva, sem o respaldo técnico, são por muitas  vezes, o agente gerador de fatos como o aconteceu no dia 22 de setembro em Guaratuba.

João Santana, antigo morador de Guaratuba, falou do erro que foi cometido, quando se retirou o molhe (parede) de pedra que havia no local chamado “Porto da Viana”, que tinha a função de interceptar as correntes da maré.

Essas pedras foram usadas na construção do trapiche, formando assim, uma barreira para as correntes marítimas. 

Esta reivindicação foi atendida, entretanto desfeita, em 1953 pela Prefeitura Municipal.

Em 1933 foi sugerido ao Prefeito, a construção de um molhe de madeira como experiência, para da conclusão, caso fosse positivo, construí-lo em caráter definitivo.

O Prefeito concordou, mas devido às pesadas críticas que recebia, voltou atrás e não autorizou o empreendimento.

Matéria escrita por Mario José Natalino

Gentileza Prefeitura Municipal de Guaratuba.

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